quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Romantismo - Romance picaresco

     O nascimento do malandro
     Com um personagem marcante, Manuel Antônio de Almeida fez a transição para o Realismo

     O romance Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, é um caso à parte no conjunto de obras em prosa do Romantismo brasileiro. Por retratar a sociedade com uma vivacidade que não existia nos romances apoiados na idealização, a obra é considerada de transição entre o romantismo e o Realismo.
     O livro surgiu como um romance de folhetim, ou seja, em capítulos, publicados semanalmente em um jornal do Rio de Janeiro. Por ser publicado em partes, o enredo precisava prender a atenção do leitor de uma semana à outra, com capítulos curtos e até certo ponto independentes, em geral contendo um episódio completo. A trama, por isso, é complexa, formada por histórias que se sucedem e nem sempre se relacionam por causa e efeito.
     "Filho de uma pisadela e um beliscão" (referência ao modo como seus pais flertaram), o pequeno Leonarda é uma criança intratável, que parece prever as dificuldades que irá enfrentar.
     E não são poucas: abandonado pela mãe, que foge para Portugal com um capitão de navio, é igualmente abandonado pelo pai, mas encontra no padrinho seu protetor. Este é dono de uma barbearia e tem guardada uma boa soma de dinheiro.
     A origem pouco digna desse capital - o barbeiro desviou a herança que um capitão moribundo deixara à sobrinha - só será revelada posteriormente. A fórmula "arranjei-me" sintetiza, no romance, a explicação dada pelo barbeiro para a posse do dinheiro. O autor acaba por dizer que muitos "arranjei-me", equivalente ao atual "jeitinho brasileiro", se explicam assim, e dessa forma estende essa representação de sua história a toda a sociedade da época.
     É uma obra marcante para a literatura brasileira: estamos diante de um novo gênero nacional, que se constrói em torno da figura do malandro. Pode-se classificar essa obra como um "romance malandro", de cunho satírico e com elementos de fábula. Esse gênero frutificará em vários romances posteriores, como Macunaíma, de Mario de Andrade, e Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade.

     Representação do "jeitinho"
     Leia um tracho de Memórias de um Sargente de Milícias sobre a malandragem nacional

     Foram ter com Maria-Regalada, que mesmo na véspera lhes tinha mandado dar parte que se mudara da Prainha, e oferecia-lhes sua nova morada.
     A comadre, de tudo inteirada, fez parte da comissão.
     Quando entraram em casa de Maria-Regalada, a primeira pessoa que lhes apareceu foi o major Vidigal, e, o que é mais, o major Vidigal, em hábitos menores, de rodaque e tamancos.
     - Ah! disse a comadre em tom malicioso, apenas apenas apareceu a Maria-Regalada, pelo que vejo isto por aqui vai bem...
     - Não se lembra, respondeu Maria-Regalada, daquele segredo com que obtive o perdão do moço? Pois era isto!..."

     Neste trecho, vemos um exemplo do equilíbrio entre ordem e desordem, entre certo e errado. O major Vidigal, emblema da ordem, aparece em cena "em hábitos menores": da cintura para cima, era ainda uma autoridade, mas, da cintura para baixo, era um homem em situação constrangedora e imoral, para os padrões da época.
     A linguagem utilizada nos diálogos é velada ou ambígua. O termo "isto", usado por ambas as personagens, sintetiza o fato de o major ter libertado e promovido Leonardo em troca dos favores sexuais de Maria-Regalada, que, por sua vez, fala em "segredo" e do perdão do "moço", termos genéricos, exemplos típicos de como Manuel Antônio de Almeida soube representar a malandragem nacional.

     Pisadela e beliscão
     Entre em contato com Memorias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida

     Sua história tem pouca de notável. Fora Leonardo algibebe em Lisboa, sua pátria; aborrecera-se porém do negócio, e viera ao Brasil. Aqui chegando, não se sabe por proteção de quem, alcançou o emprego de que o vemos empossado, e que exercia, como dissemos, desde tempos remotos. Mas viera com ele no mesmo navio, não sei fazer o quê, uma certa Maria da hortaliça, quitandeira das praças de Lisboa, saloia rechonchuda e bonitona. O Leonardo, fazendo-se-lhe justiça, não era nesse tempo de sua mocidade mal-apessoado, e sobretudo era maganão. Ao sair do Tejo, estando a Maria encostada à borda do navio, o Leonardo fingiu que passava distraído por junto dela, e com o ferrado sapatão assentou-lhe uma valente pisadela no pé direito. A Maria, como se já esperasse por aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e deu-lhe também em ar de disfarce um tremendo beliscão nas costas da mão esquerda. Era isto uma declaração em forma, segundo os usos da terra: levaram o resto do dia de namoro cerrado; ao anoitecer passou-se a mesma cena de pisadela e beliscão, com a diferença de serem desta vez um pouco mais fortes; e no dia seguinte estavam os dois amantes tão extremosos e familiares, que pareciam sê-lo de muitos anos.
     Quando saltaram em terra começou a Maria a sentir  certos enojos: foram os dois morar juntos: e daí a um mês manifestaram-se claramente os efeitos da pisadela e do beliscão; sete meses depois teve a Maria um filho, formidável menino de quase três palmos de comprido, gordo e vermelho, cabeludo, esperneador e chorão; o  qual, logo depois que nasceu, mamou duas horas seguidas sem largar o peito. E este nascimento é certamente de tudo o que temos dito o que mais interessa, porque o menino de quem falamos é o herói desta história.
     Chegou o dia de batizar-se o rapaz: foi madrinha a parteira; sobre o padrinho houve suas dúvidas: o Leonardo queria que fosse o Sr. juiz; porém teve de ceder a instâncias da Maria e da comadre, que queriam que fosse o barbeiro de defronte, que afinal foi adotado.
(...)

Atividade:

01.Na segunda metade do século 19, surgiu um romance considerado de transição entre o Romantismo e o Realismo. Tal obra documentada, com boas doses de humor, os usos, os costumes e a linguagem popular do Rio de Janeiro da época  do reinado de dom João 6º. Trata-se de:
a) Senhora.
b) Memórias de um Sargento de Milícias.
c) Inocência.
d) A Moreninha.
e) Helena

02.Sobre o romance romântico no Brasil, analise as proposições abaixo.
I. Não houve infliência dos autores europeus na criação de uma narrativa romântica no Brasil, pois, além dos temas e das linguagens diferirem muito, as obras estrangeiras não eram divulgadas, nem traduzidas no Brasil.
II. Em 1844, surgiu o primeiro romance brasileiro, A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, o qual ultrapassou a condição das narrativas europeias.
III. Inserido na linha nacionalista do Romantismo, José de Alencar lança, em 1856, seu primeiro romance, Cinco Minutos. Daí em diante, procurou construir uma obra romanesca que abrangesse todo o Brasil. Escreveu romances históricos, regionalistas e indianistas - a maioria situada na era colonial -, além de romances urbanos, em torno do cotidiano do Rio de Janeiro, entre os quais se situa Iracema (1865).
IV. Manuel Antônio de Almeida, autor de Memórias de um Sargento de Milícias (1853), segiu a tradição sentimental do tipo de narrativa praticado na época. Nos seus textos, adota a estética romântica na proposta de uma narrativa de costumes.
V. Entre os objetivos do movimento romântico no Brasil, estava o de revalar o país, pela criação de uma literatura de expressão nacional e pela valorização de uma língua brasileira.
Estão corretas:
a) III, IV e V.
b) II, III e V.
c) I, III e IV.
d) I, II e IV.
e) I, IV e V.

                                                                            FIM

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