domingo, 21 de agosto de 2011

Pré-Modernismo - Nacionalismo ingênuo

     Coragem e ironia    
     Lima Barreto não aceitou a condição que a sociedade lhe reservava

     Afonso Henriques de Lima Barreto era mulato, num país recém-saído da escravidão. A vida toda lutou contra o preconceito. Jamais se curvou diante dos poderosos da época e retratou-os todos com larga ironia.
     Sua obra mais festejada é Triste Fim de Policarpo Quaresma, publicada, inicialmente, no Jornal do Comércio, do Rio, como romance de folhetim, em 1911. Cinco anos mais tarde, em 1916, viraria livro. Mas Lima Barreto é autor de muitas outras obras, além de escrever regularmente, como articulista, para a imprensa carioca, no decorrer das primeiras duas décadas do século 20.
     Por exemplo, escreveu os romances Clara dos Anjos, Recordações do Escrivão Isaías Caminha e Morte de M.J. Gonzaga de Sá, além de contos que ganharam notoriedade, como O Homem que Sabia Javanês e Dentes Negros, Cabelos Azuis.
     Nesse último, aliás, Lima Barreto faz análise aguda de sua posição na sociedade, alegoria da posição do homem independente no mundo. Na imagem de Lima, pelas palavras de Gabriel, a personagem que tem mesmo dentes negros e cabelos azuis, o homem independente viveria numa corda bamba, equilibrando-se. Era o próprio Lima equilibrista, que não podia aceitar o carreirismo de seus pares, o individualismo de suas ações, a vacuidade de suas propostas, mas precisava viver.
     Policarpo Quaresma, o protagonista de sua obra mais famosa, é um árduo nacionalista. Sonha com uma nação que de fato integre, numa nova civilização, todos os seus costumes e gentes, igualmente, sem distinção. Esse projeto de brasilidade, de formação da identidade nacional, inclui o exame das personalidades do Brasil, o reconhecimento, a valorização e a incorporação por todos de seus traços distintivos, como a modinha e o tupi-guarani.
     Policarpo é o Dom Quixote brasileiro. A visão apaixonada do Brasil impede que enxergue, como a personagem de Miguel de Cervantes, as grandes mazelas da nação. Há um descompasso entre o que acredita que seja e o que de fato é. Será do choque dessa visão ingênua e, a seguir, de sua ação também ingênua, em nome de representantes da pátria, que decorrerá seu fim. "A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamente de decepções. A pátria que quisera ter era um mito; um fantasma criado por ele no silêncio do seu gabinete", reconhece Policarpo, no fim do livro, preso e condenado à morte por quem defendera e lutara.

     Ciência e política
     Conheça as principais características das obras escritas no Pré-Modernismo

     * Nacionalismo - defesa de um país que incluísse os brasileiros, indistintamente; valorização de atributos nacionais.
     * Independência - liberdade de pensamento e abordagem da realidade brasileira. Postura avessa a preconceitos.
     * Análise científica - infliência das ciências sociais e naturais na construção literária e na análise da sociedade.
     * Crítica social - eleições de novos temas, personagens e de gente que até então aparecera pouco na literatura brasileira até aquele momento: os pobres, de modo geral.
     * Antiacademicismo - emprego de uma linguagem coloquial, simples e direta.

     Dom Quixote brasileiro
     Lima Barreto

     "Policarpo era patriota. Desde moço, aí pelos vinte anos, o amor da Pátria tomou-o todo inteiro. Não fora o amor comum, palrador e vazio; fora um sentimento sério, grave e absorvente. Nada de ambições políticas ou administrativas; o que Quaresma pensou, ou melhor: o que o patriotismo o fez pensar, foi num conhecimento inteiro do Brasil, levando-o a meditações sobre os seus recursos, para depois antão apontar os remédios, as medidas progressivas, com pleno conhecimento de causa.
     Não se sabia bem onde nascera, mas não fora decerto em São Paulo, nem no Rio Grande do Sul, nem no Pará. Errava quem quisesse encontrar nele qualquer regionalismo; Quaresma era antes de tudo brasileiro. Não tinha predileção por esta ou aquela parte de seu país, tanto assim que aquilo que o fazia vibrar de paixão não eram só os pampas do Sul com o seu gado, não era o café de São Paulo, não eram o ouro e os diamantes de Minas, não era a beleza da Guanabara, não era a altura da Paulo Afonso, não era o astro de Gonçalves /dias ou o ímpeto de Andrade Neves - era tudo isso junto, fundido, reunido, sob a bandeira estrelada do Cruzeiro.
     Logo aos dezoito anos quis fazer-se militar; mas a junta de saúde julgou-o incapaz. Desgastou-se, sofreu, mas não maldisse a Pátria. O ministério era liberal, ele se fez conservador e continuou mais do nunca a amar a "terra que o viu nascer". Impossibilitado de evoluir-se sob os dourados do exército, procurou a administração e dos seus ramos escolheu o militar.
     Era onde estava bem. No meio de soldados, de canhões, de veteranos, de papelada inçada de quilos de pólvora, de nomes de fuzis e termos técnicos de artilharia, aspirava diariamente aquele hálito de guerra, de bravura, de vitória, de triunfo, que é bem o hálito da Pátria."

Atividade:

01."Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois que fossem... Em que lhe contribuiria para a felicidade saber o nome dos heróis do Brasil? Em nada... O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-se das suas coisas de tupi, do "folk-lore", das suas tentativas agrícolas... Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma! Nenhuma!
     O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. As terras não eram ferazes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando o seu patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a viu combater como feras? Pois não o via matar prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções."

Entre as afirmações abaixo, e com base no trecho da obra de Lima Barreto, aponte a afirmativa correta.
a) O trecho mostra que, em todos os momentos de sua vida, Quaresma preocupou-se com o bem coletivo. Mas, neste momento, ele pensa em si próprio e vê que é um homem abandonado, incompreendido, injustiçado. Toda a sua dedicação à pátria não lhe deu felicidade nenhuma: é um homem só e decepcionado.
b) O trecho foi extraído do 1º capítulo do romance em questão, que introduz o major Quaresma em seu sítio, fazendo uma reflexão de sua vida passada. A partir daí, em tempo psicológico, a narrativa resgata os episódios marcantes da vida de Quaresma envolvido na consolidação de seus projetos nacionalistas.
c) Este trecho mostra que, em todos os momentos de sua vida, Quaresma agiu como um cidadão nacionalista, envolvido, sobretudo, com o bem da pátria. Em sua reflexão fica claro que, mesmo após sua vida ter sido "um encadeamento de decepções", ele, o indivíduo, não se importa.
d) Nas últimas linhas do trecho acima há a afirmação de que "A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções". A última grande decepção de Quaresma, dentro de seu projeto de mostrar que o Brasil era uma nação viável e grandiosa, foi descobrir que o rio Amazonas era menor que o rio Nilo.

                                                                  FIM

    

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