terça-feira, 23 de agosto de 2011

Modernismo - Geração heroica: Manuel Bandeira

     Humildade e ternura
     Em tempos de escritores performáticos, Manuel Bandeira atuou sem barulho

     Manuel Bandeira é a terceira figura central da primeira geração dos modernistas brasileiros, ao lado dos paulistas Mário e Oswald de Andrade.
     Nascido em 1896, no Recife, mudou-se para o Rio de Janeiro ainda na infância. Embora não tenha participado pessoalmente da Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo no ano de 1922, participou enviando seu poema Os Sapos, uma sátira ácida aos poetas parnasianos, que foi lido por Ronald de Carvalho ao público e gerou muita discórdia entre os presentes.
     Na obra de Bandeira, é possível traçar o panorama da poesia brasileira de toda a primeira metade do século 20. Seus dois primeiros livros de poemas, A Cinza das Horas (1917) e Carnaval (1919), ainda são de inspiração parnasiana e simbolista.
     O Ritmo Dissoluto (1924), se livro seguinte, já prenuncia a revolução modernista de que Libertinagem (1930) será obra bem-acabada. É do livro Libertinagem o poema Poética, espécie de manifesto do Modernismo brasileiro, dessa nova sensibilidade. De forma veemente, o eu-lírico se opõe ao tradicionalismo e à convenção dos temas e da linguagem, ao "lirismo bem comportado", "lirismo funcionário público", e defende o "lirismo dos loucos", o "lirismo dos bêbados", o lirismo que seja libertação.
     A descoberta precoce da tuberculose do poeta se converterá num modo peculiar de olhar o mundo. Bandeira aborda a doença em numerosos poemas, como Pneumotórax, por um viés irônico, uma das característica mais marcantes da nova poesia modernista. Será também reconhecido, até mesmo no estilo, como emblema da humildade, dessa paciência para a vida. A palavra "humildade" vem de "humus", que quer dizer "solo". Um estilo humilde, portanto, muito ligado ao chão.
     A essa perspectiva um tanto quanto estoica, muito paciente, de olhar o mundo, soma-se a ternura. Bandeira será o poeta dos pequenos, dos humildes como ele, acolhidos por sua imensa e generosa compaixão. O poeta saberá perceber o humor genuíno e espontâneo do camelô, da alegria de suas palavras e gestos; compartilhará a "pequenina, ingênua miséria," dos pobres meninos carvoeiros; da mulher que foi bela e hoje já não é mais; da trabalhadora pobre e negra e boa, a boa Irene. São numerosas as personagens recolhidas por Bandeira no cotidiano e transformadas na mais pura ternura poética.
     A infância será outro grande tema do poeta. Festa de São João, brincadeira na rua, porquinho-da-índia, evocações do Recife aparecerão, aqui e ali, como elementos centrais da poesia, numa linguagem que também se aproxima do universo infantil. Manuel Bandeira, contrariando suas previsões desde muito cedo, só viria a morrer aos 82 anos, no Rio de Janeiro.

     Poeta múltiplo
     Entre os portugueses, Fernando Pessoa dominava o cenário com suas personas

     Em Portugal, a primeira geração do Modernismo surge em 1915 e leva o nome de orfeísmo, porque se consolida em torno da revista Orpheu. Participaram da revista os primeiros modernistas, como Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa.
     Este último se multiplica em dezenas de personalidades literárias, chamadas de heterônimos. Três ganham destaque: Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis.
     É do primeiro o trecho do poema abaixo, chamado Ode Triunfal, de 1914:

"Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleoas e calores e carvões
desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!
Fraternidade com todas as dinâmicas!
Promíscua fúria de ser parte-agente
Do rodar  férreo e cosmopolita
Dos comboios estrênuos,
Da faina transportadora-de-cargas dos navios,
Do giro lúbrico e lento dos guindastes,
Do tumulto disciplinado das fábricas,
E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de
transmissão!"

Estrela da Vida Inteira
Manuel Bandeira

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto
expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr.
diretor.

Estou farto do lirismo que para e vai averiguar
no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos
universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de
exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
Do todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do
amante exemplar com cem modelos da cartas e as
diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é
libertação.

Atividade:

01.Considere o poema Poética, de Manuel Bandeira. Há nele uma oposição entre:
a) As concepções da poesia da poesia modernista, abertas à livre expressão e à ousadia, e as estéticas do passado, presas a regras formais e sentimentalismo ornamental.
b) O lirismo defendido pela voz poética do texto e a concepção de poesia abraçada por Shakespeare, autor citado de modo crítico no poema.
c) O desejo de liberdade e evasão e a repressão política do tempo em que o texto foi composto.
d) As atitudes dos funcionários públicos, metódicos por dever, e às dos poetas, loucos em essência.
e) A poesia engajada (assumida pelo poeta) e a poesia da "arte pela arte"  dos parnasianos.

02.Leia os poemas abaixo e assinale a opção incorreta.
Eu faço versos como quemchora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

Eu faço versos como quem morre."
(Desencanto, Manuel Bandeira)

"Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.
........................................................................
- O senhor tem uma escovação no pulmão esquerdo e o
pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fezer é tocar um tango argentino.
(Pneumotórax, Manuel Bandeira)

a) Pneumotórax contrasta com a cadência tradicional dos versos rimados e metrificados de Desencanto.
b) Pneumotórax apresenta, em um estilo irônico, a questão da morte, tema que permeia grande parte da poesia de Bandeira.
c) desencanto, poema escrito em um estilo impregnado de ressonâncias parnasianosimbolistas, destoa do estilo modernista de Pneumotórax.
d) Desencanto é um metapoema marcado por humor e ironia, o maior traço estilístico da lírica modernista brasileira.

                                                                           FIM
    
    

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