domingo, 3 de julho de 2011

Humanismo: Crônica e poesia

     Com a diminuição do poder da Igreja, a poesia voltada para a religião deu lugar ao Humanismo

     Do início do século 15 ao início do 16, período conhecido como Humanismo, a Europa medieval experimentou mudanças em todos os setores da atividade humana. Grandes descobertas científicas permitiram a expansão das fronteiras do mundo conhecido. O contato com outros povos favoreceu o comércio e o surgimento das cidades. As riquezas, antes concentradas nas mãos da nobreza e do clero, agora estavam ao alcance de uma nascente burguesia.
     O avanço científico foi acompanhado pelo surgimento de uma nova visão de mundo, cada vez mais afastada da confiança cega na providência divina. O teocentrismo deu lugar ao antropocentrismo, no qual o ser humano valorizou a própria capacidade intelectual. O Humanismo foi também um período de redescoberta e choques. A queda dos antigos valores e a busca de conhecimento na rica cultura da Antiguidade greco-latina, anterior ao cristianismo, motivaram conflitos morais e espirituais, refletidos pela arte. As Proporções do Corpo Humano, desenho de Leonardo da Vinci de cerca de 1490, são um reflexo e um marco do Humanismo. Da Vinci se inspirou nos estudos de proporção do arquiteto romano Marcus Vitruvius Pollio, que viveu na época de Cristo e foi redescoberto em 1415.
     Na literatura portuguesa, a poesia se desvinculou do acompanhamento musical trovadoresco e aprofundou a descrição dos sentimentos humanos. Já a prosa se consolidou no registro sistemático dos principais acontecimentos da história de Portugal. E o contexto favoreceu ainda o surgimento de um teatro de caráter popular, cujo maior autor foi Gil Vicente.
     Os portugueses viveram também uma mudança política histórica com a Revolução de Avis, que resultou na aliança entre o rei e a crescente burguesia mercantil. Surgiu uma nova ordem social que impulsionou o desenvolvimento econômico e a expanção ultramarina. Com a conquista de Ceuta, na costa do Marrocos, em 1415, Portugal deu início à caminhada de um século rumo a seu apogeu.

     A crônica histórica

     O registro dos eventos históricos foi a principal manifestação em prosa da literatura humanista portuguesa. Fernão Lopes, nomeado cronista-mor do Reino em 1434, elevou o gênero à categoria de literatura com seu estilo elegante e sua visão abrangente e crítica. Em vez de se limitar a narrar os acontecimentos palacianos do ponto de vista da nobreza, Lopes analisou os diversos setores da sociedade portuguesa, sublinhando as ambições e fraquezas dos reis, a importância dos fatores econômicos e o papel e os ensaios do povo, que chamava de "arraia-miúda". Todos esses elementos podem ser encontrados nas três grandes obras deixadas pelo historiador: Crônica de El-Rei D. Pedro, Crônica de El-Rei D. Fernando e a primeira e a segunda partes da Crônica de El-Rei D. João.

     A poesia enriquecida

     Além de ser tornar independente em relação à música e passar a ser recitada, a poesia humanística, também conhecida como poesia palaciana, ganhou novos elementos no conteúdo e na forma. Surgiram as redondilhas, poemas de forma fixa com versos de cinco sílabas (redondilhas menor) ou sete (redondilha maior). O amor continuou como o principal tema lírico, mas deixou de ser totalmente subordinado a uma dama inatingível. Sentimentos mais íntimos e profundos surgiram nos poemas, que também ilustraram os conflitos interiores do poeta. E outros assuntos ganharam espaço, em poemas não apenas líricos e satíricos, mas também religiosos, dramáticos, heroicos e didáticos. A principal produção do século 15 foi reunida por Garcia de Resende no Cancioneiro Geral, com cerca de 1000 poemas de 286 autores.

     Uma estranha sensação
          Sá de Miranda

Comigo me desavim,
Sou posto em todo perigo;
não posso viver comigo
nem posso fugir de mim.

Com dor, da gente fugia,
antes que esta assim
crescesse;
agora já fugiria
de mim, se de mim pudesse.

Que meio espero ou que fim
do vão trabalho que sigo,
pois que trago a mim comigo
tamanho imigo de mim?

Glossário
imigo - inimigo  

Atividade:

01.Cantiga sua partindo-se
Senhora, partem tão tristes
meus olhos porvós, meu bem.
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados e chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes os tristes,
tão fora d'esperar bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

João Ruiz Castelo Branco

Sobre a cantiga acima, de João Ruiz de Castelo Branco é incorreto afirmar que:
a) representa a poesia do Humanismo em Portugal, na transição da Idade Média para a Idade Moderna.
b) comparada com as cantigas trovadorescas mostra mais intimidade do amante em relação à mulher amada.
c) é uma redondilha maior, com versos de sete sílabas.
d) não tem o amor como tema, ao contrário do que ocorria no Trovadorismo.
e) as figuras de linguagem, características que a torna mais sofisticada do que as cantigas trovadorescas.

02.Chronica de el-rei D. Pedro I
     (...)
A Portugal foram trazidos Álvaro Gonçalves e Pero Coelho, e chegaram a Santarem, onde el-rei, com prazer de sua vinda, porém mal magoado porque Diogo Lopes fugira, os saiu fóra a receber, e, sanha cruel, sem piedade os fez por sua mão metter a tormento, querendo que lhe confessassem quaes foram na morte de Dona Ignes culpados, e que era que seu padre tratava contra elle, quando andavam desavindos por azo da morte d'ella. E nenhum d'elles respondeu a taes perguntas causa que a el-rei prouvesse.
E el-rei, com queixume, dizem que deu um açoute no rosto a Pero Coelho, e elle então contra el-rei em deshonestas e feias palavras, chamando-lhe traídor, à fé perjuro, algoz e carniceiro dos homens. E el-rei, dizendo que lhe trouxessemcebola, vinagre, e azeite para o coelho, enfadou-se d'elles, e mandou-os matar.
A maneira de sua morte, sendo dita pelo muido, seria mui estranha e crua de contar, cá mandou tirar o coração pelos peitos a Pero Coelho, e a Alvaro Gonçalves pelas espaduas. E quaes palavras houve e aquelle que lh'o tirava, que tal officio havia poco em costume, seria bem dorida causa de ouvir. Emfim, mandou-os queimar. E tudo feito ante os paços onde elle pousava, de guisa que comendo olhava quanto mandava fazer.
Muito perdeu el-rei de sua boa fama por tal escambo como este, o qual foi havido, em Portugal e em Castella, por mui grande mal, dizendo todos os bons que o ouviam, que os reis erravam mui muito indo contra suas verdades, pois que estes cavalleiros estavam, sobre segurança, acoutados em seus reinos.
(...)
Fernão Lopes

No trecho acima, Fernão Lopes descreve a morte dos assassinos de Inês de Castro, com quem dom Pedro decidira se casar antes de assumir o trono de Portugal. Inês, que pertencia à poderosa família de Castela, foi morta por ordem do pai de dom Pedro, o rei Afonso IV, temeroso da influência castelhana. Considere as afirmações abaixo:
I.   A crônica de Fernão Lopes reflete o profundo respeito do autor pelos reis, sem esboçar nenhum
     questionamento de suas ações.
II.  O trecho é um bom exemplo da habilidade do autor de descrever o comportamento dos reis
      portugueses, com suas ambições e fraquezas.
III. A finalidade das crônicas de Fernão Lopes é registrar fatos históricos. No entanto, por ser bem
     cuidadoso e criativo, seu texto não é um mero registro burocrático e se aproxima do texto literário.
Estão corretas:
a) I e II.
b) I e III.
c) todas.
d) II e III.
e) apenas II.

FIM  

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