A novas ideias que circulavam na Europa marcaram intelectuais do país
O período do Iluminismo foi marcado, na política, pelo conceito do despotismo esclarecido, que previa a conciliação do poder absoluto com o desejo de progresso. Tais ideias circularam no Brasil colônia em um novo contexto político, social e econômico. O eixo das atividades migrou do Nordeste, onde se cultivava a cana-de-açúcar, para o Sudeste, com a mineração. Em Minas Gerais, o enriquecimento com a exploração de ouro e pedras preciosas levou ao surgimento de vilas e cidades e à consolidação de uma classe dominante influenciada pelo pensamento iluminista. Ao mesmo tempo, os altos impostos cobrados pelo governo português para a exportação das riquezas causava irritação. Foi nesse contexto que eclodiu a Inconfidência Mineira, movimento que terminou com o enforcamento de seu líder, Tiradentes, e que envolveu alguns dos principais poetas árcades brasileiros.
A reação ao autoritarismo, que marcou grande parte da literatura no Século das Luzes, encontra uma de suas vozes mais representativas nas Cartas Chinelas, de Tomás Antônio Gonzaga, mesmo autor do poema lírico Marília de Dirceu. Nesse poema lírico, o autor, usando o pseudônimo de Critilo, finge estar em Santiago do Chile, de onde escreve ao amigo Doroteu - na realidade, seu colega árcade Cláudio Manuel da Costa. Nos versos, Critilo ataca duramente os abusos de um "general" chamado Fanfarrão Minésio, em alusão evidente ao truculento governdor de Minas Gerais na época, Luís da Cunha Meneses.
Do árcade ao romântico
Temas cultivados pelo primeiro gênero seriam preservados no seguinte
Embora inspirada em formas e temas vindos de Portugal, a produção árcade brasileira adquiriu características próprias. Em poemas épicos, os autores incorporaram elementos da realidade social, como a paisagem da mineração. Também foi explorada a natureza brasileira, com os cenários tropicais e os índios, associados ao conceito do "bom selvagem", o nativo que, na visão do filósofo francês Jean-Jacques Rousseou, vem ao mundo em um estado de pureza e inocência, sendo depois corrompido pelo ambiente. Ao lado de temas como o sentimentalismo, o sofrimento e a morte, o elemento indígena e a exploração dos cenários locais são características que prenunciam o Romantismo literário.
Leia a seguir trechos de três poemas épicos do período árcade que apresentam essas características:
- Cláudio Manuel da Costa escreveu o poema Vila Rica, narrando a fundação da cidade que mais tarde seria chamada de Ouro Preto:
Poemas
Cláudio Manuel da Costa
(...) Vê-se outro mineiro, que se ocupa
Em penetrar por mina o duro monte
Ao rumo oblíquo, ou reto; tem defronte
Da gruta que abre, a terra que extraíra;
Os lagrimais das águas, que retira
Ao tanque artificioso logo solta;
Trazida a terra entre a corrente envolta
Baixa as grades de ferro; ali parados
Os grossos esmeris são depurados,
Deixando ao dono em prêmio da fadiga
Os bons tesouros da fortuna amiga. (...)
- Santa Rita Durão escreveu Caramuru, poema épico nos moldes de Os Lusíadas sobre o descobrimento da Bahia. Na narrativa, o português Diogo Álvares Correia, vítima de um naufrágio perto da costa, fica conhecido como Caramuru (Filho do Trovão) por possuir uma arma de fogo. Ele se casa com a índia Paraquaçu e a leva para a França. A índia Moema, apaixonada por Diogo, morre ao tentar acompanhar seu navio na partida.
Caramuru
Santa Rita Durão
(...) Choraram da Bahia as Ninfas belas,
Que nadando a Moema acompanhavem;
E vendo que sem dor navegam delas,
À branca praia furor tornavam:
Nem pode o claro Herói sem pena vê-las,
Com tantas provas, que de amor lhe davam;
Nem mais lhe lembra o nome de Moema,
Sem que ou amante a chore, ou grato gema.
(...)
- Basílio da Gama foi autor de O Uruguai, sobre as disputas envolvendo espanhóis, indígenas e portugueses em torno de Sete Povos das Missões, no Uruguai. O herói dessa epopeia é Gomes Freire
de Andrade, comandante das tropas portuguesas.
O Uruguai
Basílo da Gama
(...) Estão patentes as douradas portas
Do grande templo, e na vizinha praça
Se vão dispondo de uma e de outra banda
As vistosas esquadras diferentes.
Co'a chata frente de urucu tingida,
Vinha o índio Cobé disforme e feio,
Que sustenta nas mãos pesada maça,
Com que abate no campo os inimigos
Como abate a seara o rijo vento. (...)
Cartas Chilenas ( um trecho)
Tomás Antônio Gonzaga
(...)
Já disse, Doroteu, que o nosso chefe,
Apenas principia a governar-nos,
Nos pretende mostrar que tem um peito
Muito mais terno e brando, do que pedem
Os severos ofícios do seu cargo.
Agora, cuidarás, prezado amigo,
Que as chaves das cadeias já não abrem,
Comidas da ferrugem? Que as algemas,
Como trastes inúteis, se furtaram?
Que o torpe executor das graves penas
Liberdade ganhou? Que já não temos
Descalços guardiães, que à fonte levem,
Metidos nas correntes, os forçados?
Assim, prezado amigo, assim devia
Em Chile acontecer, se o nosso chefe
Tivesse, em governar, algum sistema.
Mas, meu bom Doroteu, os homens néscios
As folhas dos olmeiros se comparam:
São como o leve fumo, que se move
Para partes diversas, mal os ventos
Começam a apontar, de partes várias.
Ora, pois, doce amigo, atende o como
No seu contrário vício, degenera
A falsa compaixão do nosso chefe,
Qual o sereno mar, que, num instante,
As ondas sobre as ondas encapela.
Pretende, Doroteu, o nosso chefe
Erguer uma cadeia majestosa,
Que possa escurecer a velha fama
Da torre de Babel e mais dos grandes,
Custosos edifícios que fizeram,
Para sepulcros seus, os reis do Egito.
Talvez, prezado amigo, que imagine
Que neste monumento se conserve
Eterna, a sua glória, bem que os povos
Ingratos não consagrem ricos bustos
Nem montadas estátuas ao seu nome.
Desiste, louco chefe, dessa empresa:
Um soberbo edifício levantado
Sobre ossos de inocentes, construído
Com lágrimas dos pobres, nunca serve
De glória ao seu autor, mas, sim, de opróbrio.
Desenha o nosso chefe, sobre a banca,
Desta forte cadeia o grande risco,
A proporção do gênio e não das forças
Da terra decadente, aonde habita.
Ora, pois, doce amigo, vou pintar-te
Ao menos o formoso frontispício.
Verás se pede máquina tamanha
Humilde povoado, aonde os grandes
Moram em casas de madeira a pique.
(...)
Atividade:
01.Os árcades, no Brasil, assinalaram as ideias neoclássicas europeias, muitas vezes reinterpretando, cada um ao seu estilo, a realidade sociopolítica e cultural do país, como se observa no trecho de Cartas Chilenas.
Todas as alternativas abaixo apresentam características desse estilo literário, presente nos versos acima citados, exceto:
a) Valorização do ideal da vida simples e tranquila.
b) Tendência ao discurso em forma de diálogo do eu-poético com um interlocutor.
c) Utilização de linguagem elegante, rebuscada e artificial.
d) Intenções didáticas, expressas no tom de denúncia e sátira.
e) Caracterização do poeta como um pintor de situações, e não de emoções.
02.Sobre o Arcadismo no Brasil, é incorreto afirmar que:
a) Cláudio Manuel da Costa, um de seus autores mais importantes, embora tenha assumido uma atitude pastoril, traz, em parte de sua obra poética, aspectos ligados à lírica camoniana.
b) Em Liras de Marília de Dirceu, Tomás Antônio Gonzaga não segue aspectos formais rígidos, como o soneto e a redondilha, em todas as partes da obra.
c) Nas Cartas Chilenas, o autor satiriza Luís da Cunha Menezes por suas arbitrariedades como navegador da capitania de Minas.
d) Basílio da Gama, em O Uruguai, seguiu a rígida estrutura camoniana de Os Lusíadas, usando versos decassílabos em oitava-rima.
e) Caramuru, como tema principal, o descobrimento da Bahia por Diogo Álvares Correia, apresentando, também, os rituais e as tradições indígenas.
FIM
Atividade muito bem elaborada.
ResponderExcluirParabéns!