segunda-feira, 4 de julho de 2011

Humanismo - A crítica de Gil Vicente

     O inventor do teatro português usava tipos sociais como personagens

     Nascido em 1465, Gil Vicente é considerado o criador do teatro português. Antes de sua estreia, em 1502, com a peça monólogo do Vaqueiro (também conhecida como Auto da Visitação), ja ocorriam manifestações teatrais em Portugal. Mas eram apenas encenações de textos que não haviam sido produzidos especialmente para o palco. Vicente foi também poeta lírico e está representado no Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende, mas é conhecido principalmente pelas 44 peças teatrais de diversos temas.
     Os conflitos morais e religiosos característicos do Humanismo estão plenamente registrados no teatro de Gil Vicente. Livres das imposições da Igreja, seus personagens frequentemente se dividiam entre viver de acordo com os mandamentos cristãos, garantindo a salvação, e render-se aos bens materiais, correndo o risco de ir para o inferno.
     Os personagens não representam indivíduos definidos, e sim tipos sociais. Ou seja, não têm características psicológicas particulares. Servem como espécies de modelo, para exemplificar qual era, segundo o autor, o comportamento de determinados setores da sociedade da época. Por isso, são chamados de personagens alegóricos. As alegorias representam situações ou um setor social. Em uma das peças mais conhecidas de Gil Vicente, Auto da Barca do Inferno, por exemplo, um fidalgo com um pajem e uma cadeira são uma alegoria para toda a nobreza ociosa de Portugal. Em Auto da Lusitânia, os personagens Todo o Mundo e Ninguém são alegorias que se explicam pelo nome.
     A obra vicentina divide-se em autos, que, criticam, em tom de sátira, os costumes da sociedade da época.
     Nos autos, os conflitos religiosos são vividos por personagens bíblicos, e os enredos são moralizantes. Contando a história de pessoas que são tentadas pelos demônios a seguir o caminho do mal, Gil Vicente busca reafirmar os valores cristãos fragilizados. Em Auto da Barca do Inferno, vários tipos sociais são submetidos a um interrogatório, após o qual são levados pelo Diabo em sua barca para o inferno ou pelo Anjo em sua barca para o Paraíso. Um a um, os personagens conversam com o Diabo e o Anjo, o que resulta em uma estrutura bastante esquemática da peça, outra característica do teatro vicentino. São absolvidos apenas um parvo, por pecar sem consciência, e quatro cavaleiros, que morreram combatendo os infiéis.
     Nas farsas, o autor ridiculariza personagens que não agem conforme os princípios das instituições às quais pertencem, como o padre que sucumbe à ganância ou o escudeiro que foge da batalha.
     Entre suas obras também se destacam o Auto da Fé, O Velho da Horta, A Farsa de Inês Pereira e os demais autos que, com Auto da Barca do Inferno, completam a "Trilogia das barcas": Auto da Barca do Purgatório e Auto da Barca da Glória.
     Embora escritas há quase cinco séculos, as peças de Gil Vicente retratam dilemas morais e conflitos sociais que ainda estão presentes no mundo contemporâneo. Também a forma como esses conflitos são tratados encontra eco nos séculos seguintes.
     Um exemplo é Auto da Compadecida, escrito em 1955 pelo paraibano Ariano Suassuna.(foi adaptada para o cinema). A peça de Suassuna, ambientada no sertão nordestino, estabelece um paralelo com Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, ao retratar personagens que, ao morrer, são julgados por seus pecados. Em ambos os autos, os tipos humanos mais humildes e submissos à moral religiosa, que pecam sem maldade, conseguem a salvação.

     Atividade:

Auto da Lusitânia

(...)

Entro TODO O MUNDO, homem rico mercador, e faz que anda buscando alguma coisa que se lhe perdeu; e algo após ele um homem, vestido como padre, este se chama NINGUÉM, e diz:

NINGUÉM:
Que andas tu aí buscando?

TODO O MUNDO:
Mil cousas ando a buscar:
delas não posso achar,
porém ando porfiando.
por quão bom é porfiar.

NINGUÉM:
como hás o nome, cavaleiro?

TODO O MUNDO:
Eu hei nome Todo o Mundo,
e meu tempo todo inteiro
sempre é buscar dinheiro,
e sempre nisto me fundo.

NINGUÉM:
Eu hei Ninguém,
e busco a consciência.

BELZEBU:
Esta é boa experiência:
Dinato, escreve isto bem.

DINATO:
Que escreverei, companheiro?

BELZEBU:
Que ninguém busca consciência,
e Todo o Mundo dinheiro.

(...)

BELZEBU:
Escreve lá outra sorte.

DINATO:
Que sorte?

BELZEBU:
Muita garrida
Todo o Mundo busca vida,
e Ninguém conhece a morte.

TODO O MUNDO:
E mais queria o paraíso,
sem mo ninguém estovar.

NINGUÉM:
E eu ponho-me a pagar
quanto devo para isso.

BELZEBU:
Escreve com muito aviso.

DINATO:
Que escreverei.

BELZEBU:
Escreve
Que todo mundo quer paraíso,
e Ninguém paga o que deve.(...)

Gil Vicente

01.Sobre o Auto da Lusitânia, de Gil Vicente, é correto afirmar que:
a) as personagens Todo o Mundo e Ninguém são sobrenaturais.
b) as personagens Todo o Mundo e Ninguém são alegóricas.
c) o texto pertence ao Classicismo.
d) o texto pertence à primeira fase do Romantismo português.
e) o texto pertence à fase final do Trovadorismo.

02.O trecho do Auto da Lusitânia apresentado afirma que:
a) a personagem Todo o Mundo é mentirosa.
b) todos os membros da sociedade são mentirosos.
c) Belzebu não acredita nas outras personagens.
d) a personagem Ninguém não quer admitir seus erros.
e) a personagem Todo o Mundo não deseja o paraíso.

     FIM 

Um comentário:

  1. Quando fizerem postagens como essa de cunho relevante para os estudos, por favor, coloque nome completo do autor, pra usarmos como referencia de pesquisa. Obrigada, de nada.

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